segunda-feira, 31 de agosto de 2015

CULTURA: Feminismo com prazo de validade?

O título desta publicação pode parecer ridículo, como se a igualdade sofresse modas como os penteados. A realidade é que as ideias e crenças de uma sociedade variam no tempo e estão dependentes de imensos fatores.
Para verificar isto, basta olhar para a História.
A civilização romana valorizava a higiene e o bem-estar diários; já a população medieval, séculos depois, era extremamente supersticiosa e, por isto, só tomava banho uma vez por ano.
Os gregos antigos criaram a democracia, muito semelhante à atual, mas acabaram por ser substituídos por impérios e monarquias tiranas.
A evolução não é uma linha reta; bem pelo contrário, pode ser vista como um ciclo.
Se 1920 foi uma era exuberante, festiva e inovadora, com a crise e a guerra as mentalidades fecharam-se nas décadas seguintes.
Para onde foram todos os revolucionários dos anos 60 e 70 do século passado? Muitos deles tornaram-se empresários acomodados nos anos 80.
Não devemos pensar que aquilo que existe não pode ser perdido. Basta um ditador para nos retirar todos os direitos conquistados, em qualquer momento, até em pleno século XXI.


De volta à nossa temática e para esclarecer quem tem uma ideia errada:
O feminismo é o movimento que luta pela igualdade entre mulheres e homens. Não é a superioridade da mulher ou o equivalente ao machismo, é a luta por um mundo igualitário independentemente do género, sem beneficiar qualquer um deles.
Surgiu particularmente com a luta pelo direito ao voto das mulheres há mais de cem anos atrás e esteve mais em voga numas épocas do que noutras.


O interessante disso é que estamos a viver uma dessas épocas, chamada pelos sociólogos de "quarta onda do feminismo", com ativistas e celebridades a trazer o movimento para os holofotes.
Não sejamos hipócritas e admitamos que temos conceções sexistas que nos foram ensinadas desde sempre. Para os que argumentam que as mulheres já alcançaram a igualdade, apresento dois cenários obviamente injustos, um profissional e um estético:
- Ainda hoje, no nosso mundo ocidental, existem mulheres que recebem um salário inferior aos colegas do sexo masculino pelo mesmo trabalho.
- Um homem não tem de se depilar, é perfeitamente aceitável não o fazer, mas uma mulher que não o faça é humilhada ou mal vista pela comunidade.

Passemos para aqueles que estão do lado da mudança.
Desde as artistas que não depilam as axilas e publicam fotografias nas redes sociais apesar da chuva de críticas, até às mais variadas promoções do movimento na música atual, é inegável que nos últimos anos voltamos a lembrar-nos que ainda há muito para mudar.


Miley Cyrus e Madonna protestaram contra os duplos padrões sociais aparecendo em público sem se depilar, bem como outras cantoras, atrizes e artistas plásticas. O que querem transmitir é: as mulheres podem depilar-se se quiserem, simplesmente não podem ser pressionadas a fazê-lo. Porquê? Porque os homens podem depilar-se, mas não são criticados se não o fizerem.


Focando-nos na música, Beyoncé é o verdadeiro ícone pela chamada de atenção que fez com a música "***Flawless" do seu álbum autointitulado de 2013.
Ao incluir o discurso da ativista pelos direitos das mulheres Chimamanda Ngozi Adichie, a cantora lembrou os adolescentes que é errado ensinar raparigas a sonhar com o casamento e a reprimir a sua sexualidade, enquanto aos rapazes é dada maior independência e possibilidade de escolher o seu futuro. Porque feminista é aquele/a que, como é dito no discurso da música, "acredita na igualdade social, política e económica dos sexos". E sim, os homens podem e devem ser feministas também.


Lily Allen satirizou o machismo da indústria musical com "Hard Out Here" e, em 2014, Meghan Trainor criticou os padrões de beleza no seu hit "All About That Bass", com Beyoncé a reforçar os seus ideais nos VMAs desse mesmo ano e a substituir a expressão 'bossy' (mandona) por uma muito mais justa: 'boss' (patroa).


A consciencialização chegou entretanto à banda Little Mix com a música "Salute" e, este ano, Fifth Harmony lançaram o álbum Reflection com várias músicas que não são mais do que a libertação e tomada de poder do sexo feminino, sempre de forma descontraída.


Até aqui tudo está no bom caminho. Jovens independentes que não aceitam ser submetidas ao sistema patriarcal que as dominou desde sempre, 2014 foi chamado pelas revistas TIME, VICE e Billboard o ano do feminismo no pop e poucas são as celebridades que não mostraram simpatia pelo movimento (Lorde, Taylor Swift, Lady Gaga, Miley Cyrus, etc.).

O problema surge precisamente no ciclo falado no início desta publicação.
Esta febre na música comercial não é novidade. Aconteceu algo parecido, embora não tão explícito, há vinte anos atrás. O início dos anos 90 foram dominados por Madonna que chocou o mundo com Erotica, os Nirvana promoviam todos os tipos de igualdade em meados da década e a banda Spice Girls gritava nas entrelinhas que não eram dependentes de nenhum homem. Para além disto, Björk consolidava o mercado alternativo e Alanis Morissette conquistava popularidade também. Foi, sem dúvida, uma época de ouro para as mulheres. A realidade é que ser mulher na indústria musical, poderosa e confiante, vendia como nunca.

Tudo mudou com uma canção. Menos de quatro minutos arrebatam o ocidente, quebram todos os recordes em 1999 e consolidam uma nova forma de pensar. O som comercial e letra fácil fazem sucesso, sussurrando aos jovens dessa altura que não existe qualquer problema numa adolescente se sentir dependente de um rapaz e ter saudades dos maus tratos, pedindo explicitamente que lhe bata novamente.
"Hit Me Baby One More Time", abreviada para "...Baby One More Time" por motivos óbvios, foi o anúncio de toda uma geração inconsciente à violência nas relações.
Britney Spears vendia com o seu aspeto frágil, infantil e sensual.


Vítima da indústria ou consciente do efeito da sua música, ignorou qualquer feminismo vigente e promoveu esta visão com outras semelhantes ("I'm A Slave 4 U", por exemplo), ao qual se juntaram muitos outros artistas nos anos 2000, alienados ao sexismo que propagavam.

Voltando para o presente na máquina do tempo, temos de aplaudir Beyoncé e todos os artistas que ajudam a educar uma nova geração que ainda não tem ideias próprias, ensinando que a igualdade é pop e que devia continuar a ser sempre.
Ainda assim, convém prestar atenção àqueles que, sem querer ou propositadamente, podem contrariar o bom rumo das coisas e tornar o feminismo algo "fora de moda" com um simples refrão chiclete como aconteceu antes.
Embora sem possibilidade de quebrar o progresso, existe já uma música com um rap que destoa das letras restantes e parece aceitar e promover o machismo.

"Vou ser a tua mulher, (...) vou ser a tua bebé, vou ser aquilo que quiseres (...) Sim, eu cozinho, sim, eu faço as limpezas (...) Sim, és o patrão e eu sou respeitadora (...) Faço questão de tomar conta dele, faço questão de estar em bicos de pés, de joelhos, mantê-lo satisfeito, massajá-lo, ser uma dama e uma louca" - Nicki Minaj em Hey Mama - David Guetta feat. Nicki Minaj, Bebe Rexha, Afrojack


O novo feminismo veio para ficar ou tem os dias contados?

2 comentários:

  1. Na música: "Hey Mama" Nicki Minaj já confirmou que a música foi uma crítica ao machismo.

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