quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

MÚSICA: Review do álbum "Reputation" de Taylor Swift



Reputation (2017) - Taylor Swift
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"Queria falar com a Taylor." - pede o mundo, tomando como garantida uma era da norte-americana a cada dois anos, depois de três anos sem nenhum álbum novo.
"Lamento, a antiga Taylor não pode vir ao telefone agora. Porquê? Porque ela está morta!" - avisa a jovem artista no primeiro single antes do lançamento do álbum, vista até aqui como uma dócil cantora que encantou desde adolescente no country, um género musical de segmento de mercado tradicionalista, e que se muda para o pop parcialmente com o álbum Red (2012) e totalmente com 1989 (2014), sempre um exemplo normativo a seguir tido pelos pais americanos para as filhas. O que fizeram à estrela favorita das meninas conservadoras para ela nos presentear com toda esta narrativa irreverente que intitula de 'Reputação' com capa black & white e o seu nome impresso repetidamente como num jornal, apresentando-se de batom escuro, gargantilha, camisola rasgada que ironicamente poderia ser de uma coleção de Kanye West e cabelo penteado para trás, o completo inverso daquilo a que nos acostumou ao longo da sua carreira? 

Quem não se lembra dos atritos entre Taylor Swift e Kanye West desde os VMAs de 2009 quando este interrompeu o discurso da cantora ao ganhar o prémio, dizendo que este devia ser atribuído a Beyoncé e do escândalo do ano passado onde o rapper já desculpado pela cantora lhe reservou um verso misógino que esta alegadamente não aprovou e que Kim Kardashian, socialite e mulher de Kanye, veio desmentir? Muita gente poderá não estar a par, mas não será aqui que encontrarão muitos detalhes, nem sequer vão ser aprofundados os problemas entre Taylor e outro peso pesado da música comercial, Katy Perry, que trocam lucrativas 'bocas' entre si desde que disputaram um dançarino de tour, algo que gerou a rancorosa "Bad Blood" por parte da primeira há poucos anos e a resposta vingativa da segunda em "Swish Swish" este ano com a participação da rapper mais requisitada, Nicki Minaj. Para piorar, a comunidade de fãs das celebridades rivais encheram o instagram de Taylor com emojis de cobras, denunciando-a como má e venenosa, acusação de que ela se soube apropriar e usar genialmente a seu favor na componente visual do videoclipe para LWYMMD, repleta de mensagens subliminares para os seus inimigos, para os media que ridicularizaram os seus variados romances, para ex-namorados e para todos os que a criticaram ao longo dos anos, com teorias explicadas por toda a Internet. O porquê desta introdução? Todos estes fatores parecem justificar a sua aura obscura contemporânea, servindo de mote para o disco prestes a ser explorado abaixo. Sem mais atrasos dado que isto não é um blogue de mexericos mas de artigos de moda, música e cultura, a análise:

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1) "...Ready For It?" - ☆☆☆☆☆

Abrindo o álbum com graves tão pulsantes que não imaginaríamos ouvir numa canção sua, Taylor Swift limpa a garganta para nos preparar para um 'cantar falado' nunca antes encontrado no seu passado discográfico. A letra expõe o envolvimento com um rapaz que é muito melhor que os restantes sem se esforçar apesar de ter deixado várias raparigas assombradas e que é criminoso como ela, sendo um "killer" (assassino) e ela uma "thief" (ladra), atraíndo-o para se juntar à "heist" (quadrilha) a que ela pertence e fugirem para uma "island" - estará esta ilha relacionada com a sonoridade tropical do refrão, onde Taylor fala sobre sonhar com as coisas que fazem juntos?
Tenha isto conotação sexual ou seja uma fantasia acerca de crimes praticados pelos dois, pode parecer quase tão erótico como quando segreda que "no one has to know",  descartando rapidamente os seus contornos de puritana, como era claramente pretendido pela própria na proposta. "Every lover known in comparison is a failure, I forget their names now, I'm so very tame now, never be the same now.”
Vários críticos musicais consideram que estamos diante de uma composição que conjuga caraterísticas de hip-hop, de trap e até de industrial music, sem ser puramente de nenhum destes géneros. Algo que, contudo, todo o ouvinte consegue reconhecer é que o refrão melodioso contrasta com os beats agressivos que o antecedem. Isto revela que os seus produtores estão tão alerta para o som da atualidade como Taylor está disposta a brincar com todas estas tendências, aproveitando ainda para experimentar antes do último refrão uma voz digitalmente editada.
Mesmo que a tentativa de quase-rap não soe a mais natural no seu timbre, a sua disposição para fazer tanta revolução estilística de uma vez é mesmo "like a vendetta", por isso há que concordar: "Baby, let the games begin".

2) "End Game” (feat. Future and Ed Sheeran) - ☆☆☆☆

Esta é a única música do disco com participação de outros artistas, uma aposta ambiciosa para quem não costuma fazer featurings e por serem ambos tão distintos, se bem que taticamente escolhidos: Future a representar o seu apelo intencional a um público mais urbano e Ed Sheeran, amigo de longa data da cantora, a mantê-la comercial dado que é dos mais bem sucedidos nas rádios com as suas letras românticas. O facto de Future não estar isolado a 2/3 da música como se banalizou com rappers convidados, mas sim quase no princípio, é revigorante e menos automatizado, trazendo posteriormente a surpresa de Ed Sheeran. Embora este pareça menos à vontade a cantar sobre rumores e fama do que a cantora principal e o rapper, entrega ainda assim uma performance muito agradável.
Taylor canta sobre querer ser a única pessoa do interesse do par romântico, fazendo analogias como a de ser o jogo final dele ("end game"), a ponta de lança ("first string") e a sobrevivente ("A-team"), sendo esta uma clara referência à música de Ed Sheeran "The A Team", um trocadilho engraçado estando ele presente na música, indicando assim que todos fizeram o trabalho de casa para o produto ser coeso.
Obtemos uma música em que Taylor retira ao pop para dar ao R&B com percussão hip-hop, mantendo o seu célebre batom vermelho ("So here's the truth from my red lips"). Surge aqui pela primeira vez o título do álbum, bem como um lembrete sobre os seus inimigos famosos "Big reputation, you and me, we got big reputations, and you heard about me, I got some big enemies". Taylor é autoindulgente e sabe o impacto que tem na cultura, mostrando ter sentido de humor: "Reputation precedes me, they told you I'm crazy. I swear I don't love the drama - it loves me!"

3) "I Did Something Bad" - ☆☆☆☆☆

Aprofundando a abordagem aos escândalos que a rodeiam e também aos romances falhados, Taylor dificilmente se apresentará mais violenta do que isto: uma produção de sintetizadores rasgantes que mescla do trap aos mais variados géneros de EDM, pela primeira vez a artista diz um palavrão numa canção ("If a man talks shit then I owe him nothing, I don't regret it one bit 'cause he had it coming") e consolida um refrão que é interrompido pelo barulho de tiros que antecedem sempre a mesma palavra, o que segue a lógica da criminalidade de modo impressionante e sem remorsos: "They say I did something bad, then why's it feel so good? (...) And I'd do it over and over and over again if I could, it just felt so *bang bang* good *bang bang* good".
Quando achamos que Taylor estar possuída por Rihanna era da nossa imaginação e não passava de um momento "Man Down" (2010) que ia terminar, eis que somos confrontados com algo que poderia perfeitamente estar em "Bitch Better Have My Money" (2015), uma metralhadora falada: "Ra-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta, death trap, trap, trap". Nada como esta última voz distorcida para low pitch para realçar a postura bad girl, ainda que na sua totalidade esta faixa, tal como o álbum até aqui, nos demonstre que estamos não só a assistir a uma experiência musical díspar da sua discografia como também a um processo catártico dos traumas da intérprete por entre os sintetizadores insurgentes.
Taylor fala ainda sobre ser perseguida como se fosse uma bruxa e sobre quererem queimá-la na fogueira, desafiando em metáfora os que vêm atrás dela com forquilhas, provas e razões para lhe atearem fogo. Provoca sem receio "So light me up, light me up, light me up, go ahead and light me up!", trazendo de novo o crescendo de palmas que dá um toque urbano ao conjunto. Finalizada a música e com um resultado esplêndido, pode considerar-se talvez a que mais justiça faz ao que a capa e o conceito transmitem.

4) "Don't Blame Me" - ☆☆☆☆

Taylor começa a cantar por cima do seu próprio murmúrio melódico que se o amor não nos tornar loucos então não estamos a fazer da maneira certa ("Don't blame me, your love made me crazy, if it doesn't you ain't doing it right. Lord save me, my drug is my baby, I'll be using for the rest of my life"), afirmando que o seu par é a droga que vai consumir para o resto da vida. Assim que o anuncia, entra um som reverberante que é depois acompanhado por um ritmo regular durante esta estrofe e o pré-refrão, até que um bass em wobbles surge intensamente unido a pandeiretas no refrão.
A música eletrónica é aqui quase fúnebre e a relação feita entre amor e substâncias ilícitas são outro bom mergulho em áreas não exploradas antes pela cantora, o que seria original para o seu repertório, não fossem as suas semelhanças formais com "Take Me To Church" de Hozier (2014), cujo molde de soliticação religiosa e a própria entoação gospel encaixam quase perfeitamente em ambas as canções. A distingui-las temos os lyrics e o facto de a música original ser mais rock e esta future bass ao ponto de lembrar outra produção, "Never Be Like You" de Flume (2016). Isto não tira qualidade ao trabalho de Taylor e seria ingénuo da parte dela acreditar que ninguém as iria relacionar, pelo que qualquer intenção de plágio é de duvidar. No máximo, pode ter sido uma influência inconsciente ou inspiração algures no processo criativo, algo comum dado terem sido populares nos seus respetivos anos de lançamento, provavelmente quando Taylor preparava este álbum. Há vulnerabilidade por exemplo em "I once was poison ivy, but now I'm your daisy" e "If you walk away, I'd beg you on my knees to stay". O conteúdo passional não tem a ver com a solenidade da música, o que pode ser visto como positivo.

5) "Delicate” - ☆☆☆☆☆

Taylor prevê "This ain't for the best, my reputation's never been worst, so you must like me for me" sob efeito de auto-tune/vocoder que, em vez da artificialidade de qualquer edição vocal, lhe concede fragilidade. Estamos perante uma música tranquila comparativamente às anteriores, basta esperar a entrada dos versos de voz límpida e da vibração dancehall que criam um contexto de leveza e nos deixam levar pela história de uma nova paixão, onde a cantora se expressa insegura com perguntas como "Is it cool that I said all that? Is it chill that you're in my head? 'Cause I know that it's delicate", ao que uma voz aguda (high pitch) lhe responde isso mesmo: "delicate". Muito comercial, esta canção pode ser posta de duas perspetivas dependendo se quem ouve compreende a cantora ou não: ou entendemos uma Taylor com receio em expor-se a um amor acabado de descobrir, o que pode levar toda a gente a identificar-se com a situação; ou vemos uma artista que está com medo que a sua péssima reputação afete o romance, algo com que a maior parte dos cidadãos anónimos não tem de lidar e poderá ter menos empatia. Seja qual for a abordagem, o título do álbum é referido em todos os refrões desta música e acabamos com uma sensação de honestidade vinda de Taylor, que assume os pensamentos que qualquer pessoa teria no período de conquista ("Do the girls back home touch you like I do?", "Sometimes I wonder when you sleep, are you ever dreaming of me?")
O som varia minimamente e segue fluído como tropical house, só alternado por estalinhos de dedos que marcam presença uma vez a meio da música e outra para a fechar, um item orgânico que nos garante mais ainda estarmos a ouvir uma produção contemporânea.

6) "Look What You Made Me Do”- ☆☆☆☆

"Look What You Made Me Do" provoca reações bastante contrárias, sendo uma música que pode cativar pouco da primeira vez que é ouvida e à qual nos adaptamos facilmente devido a um refrão que não é mais do que a repetição incessante do título, uma compra dos direitos de "I'm Too Sexy" dos Right Said Fred (1992) juntamente com a profunda batida electroclash e o tom hostil de "Operate" de Peaches (2003). Uma decisão tanto radical para single como inteligente por transmitir concretamente a direção onde a artista pretendia ir. Por sua vez, o complexo e extravagante vídeo, já foi analisado por toda a Internet [exemplo aqui], por isso não há motivo para desenvolver nesse sentido dado que isto é uma revisão musical, não de videografia.
A intenção de afronta aos inimigos é a maior finalidade - que sabemos serem obviamente Kanye West e Katy Perry - começando com acordes de piano misteriosos que relembram um início de filme policial do século passado e que lhe conferem interessantes pormenores artísticos, justificando o tom apático com que Taylor declara "olha o que me obrigaste a fazer", como diria um(a) vilã(o) que acaba com a vítima sem qualquer misericórdia. O sintetizador impertinente que aparece tardiamente em segundo plano evidencia mais este aspeto thriller e empolga quase tanto como as descrições visuais feitas por Taylor sobre palcos inclinados, crimes perfeitos, mentiras a rir e armas que lhe pertenciam, tal como sobre terem-lhe pedido abrigo e a terem trancado no exterior.
"The world moves on, another day, another drama, but not for me, all I think about is karma. And then the world moves on but one thing's for sure, maybe I got mine but you'll all get yours." Ela pode ter levado o karma dela mas todos os que lhe fizeram mal vão pagar o deles. Ameaças em músicas pop, porque não?
Superior a todo o propósito de vingança e até à altura na música em que anuncia a sua mudança com uma interação discursiva, uma tática falada que Taylor já tornou da praxe em músicas antigas ("We Are Never Ever Getting Back Together" (2012), "Shake It Off" (2014), etc.), fica o verso "Honey, I rose up from the dead, I do it all the time" pelo sentido figurado de renascimento, bem como pela acentuação da teatralidade.

7) "So It Goes..." - ☆☆☆☆

O domínio volta a ser o do romance, neste caso sob a inspiração do tema ilusionismo. Os vocais de Taylor aparecem a ecoar e transmitem-nos uma sensação atmosférica já sentida pela envolvência abstrata, a princípio sóbrio e que é prontamente trocado no refrão por síncopes de hi-hats ao qual alguns críticos musicais chamaram um indefinido light trap, aqui descaraterizado pelos suprimidos riffs de guitarra que o orientam. O facto de a voz se fundir voluntariamente com o instrumental em quase toda a música é alusivo a Lana Del Rey, conhecida por cantar subtilmente com sonoridades urbanas mais ou menos ténues que se dissolvem com o seu timbre hipnótico.
No seu global, é uma produção com qualidade mas que pouco de relevante acrescenta ao álbum, apelando sobretudo a quem gosta de vocais homogéneos. Taylor entrega recursos estilísticos sobre magia como "You make everyone disappear and cut me into pieces, gold cage, hostage to my feelings" sobre truques de ilusionistas com gaiolas, fazer desaparecer pessoas, cortar a assistente em pedaços e esta sair inteira, sem esquecer de incluir um momento sexy em "scratches down your back now". Por outro lado, há tiradas que deixam um pouquinho a desejar para uma das maiores liricistas da década: "my magician" soa um nome carinhoso muito embaraçoso e o facto de alguém se vestir de preto não o torna instantaneamente um exemplo de rebeldia ("Come here, dressed in black now"). A compensar temos o momento caricato em que lembra terem feito truques um ao outro, perguntando quem os está a contabilizar, supondo que ninguém. E aí sussurra "one, two, three", ao que o instrumental retoma triunfante.
"I'm not a bad girl but I do bad things with you". Esperemos que a cantora não perca o estatuto de menina má se ainda não o conseguiu sequer assegurar oficialmente. De qualquer forma, ainda que menos icónica que outras, depois de várias reproduções torna-se uma experiência rítmica bastante dinâmica.
"And all our pieces fall right into place, get caught up in the moment, lipstick on your face."

8) "Gorgeous” - ☆☆☆☆☆

Uma faixa que é a definição mais precisa de canção comercial: letra sobre apaixonar-se obsessivamente por alguém desconhecido, extremamente pop ao ficar no ouvido mais do que qualquer outra, chegando até a tocar a imaturidade por se digerir tão bem e por se equiparar a algo que a sua adversária Katy faria, não por ter a bebé (filha de Blake Lively e Ryan Reynolds) a balbuciar o título, um detalhe adorável para abrir a música.
A verdade é que isto não choca com a imagem de Taylor; aliás, solidifica-a mais ainda nas rádios por ser tão fácil de escutar e a única contraindicação que uma música tão perfeitamente catchy pode ter é atingir a saturação ao fim de algumas repetições. É, contudo, irrepreensível a maneira como é simultaneamente intemporal e tão desta década em particularidades como os ecos graves da palavra "gorgeous".
Acerca de quem será a letra, Taylor afirmou ser sobre o seu atual namorado Joe Alwyn, levando a inevitáveis projeções de ela flirtar com ele enquanto ainda estava com o anterior Tom Hiddleston, o tal "boyfriend (...) older than us" que ela refere. A cantora demonstra-se capaz de gozar consigo mesma quando diz que caso ele não queira envolver-se ela vai sozinha para casa ter com os seus gatos ("Guess I'll just stumble on home to my cats ~urgh~ *laugh*"), o seu mecanismo de defesa favorito para lidar com as ridicularizações que fazem sobre si e os seus gostos, neste caso felinos serem os seus animais de estimação prediletos. Completa ainda "unless you wanna come along", à espera que ele se renda, a seguir a admitir que não há nada que ela odeie mais do que aquilo que não pode ter.
O mais memorável desta música é sem dúvida o otimismo que se distancia da primeira metade do álbum, o barulhinho que imita um persuasivo piscar de olho ("Unless you wanna come along *wink*") e as peculiares técnicas de sedução da intérprete: "You should take it as a compliment that I got drunk and made fun of the way you talk", "You should take it as a compliment that I'm talking to everyone here but you".

9) "Getaway Car" - ☆☆☆☆☆

É-nos introduzida uma fala robotizada que nos faz questionar se não será uma participação oculta dos Daft Punk pela sua distorção extrema; é na verdade uma abertura melodramática que prevê a tragédia de teor romântico ("Nothing good starts in a getaway car"), sendo imediatamente substituída pela tonalidade real de Taylor que conta uma história sobre deixar o namorado e escapar com o novo apaixonado num carro de fuga.
A melodia é brilhantemente synthpop e a cantora está como um peixe na água neste género oitentista como só ela (no álbum 1989), Carly Rae Jepsen e poucas mais escolhem fazer agora, criando linhas densas e metafóricas em toda a canção ("The ties were black, the lies were white", "He poisoned the well, every man for himself", "It hit you like a shotgun shot to the heart", "But with the three of us, honey, it's a sideshow. And a circus ain't a love story and now we're both sorry") que é maioritariamente acerca de pretender acabar o triângulo amoroso, apesar de o homem traído os tentar perseguir. O som coeso e os versos tão bem redigidos tornam-na um dos destaques do disco.
Escapam com êxito até se suceder uma gigante reviravolta. Convencida de que todos os seus relacionamentos estão destinados ao fracasso, ela abandona o próprio amante num bar de motel, guarda o dinheiro e rouba as chaves, fugindo sozinha. Confessa aí que foi desleal a este último e que traidores nunca podem vencer, incluindo-os aos dois nesta afirmação ("We were jet-set, Bonnie and Clyde, until I switched to the other side. It's no surprise I turned you in, 'cause us traitors never win").
Por fim, o seu destino é pintado de um ponto de vista pessimista, revivendo o caso do carro de fuga com uma epístrofe que promete ficar na memória: "I was riding in a getaway car, I was crying in a getaway car, I was dying in a getaway car, said goodbye in a getaway car."

10) "King Of My Heart" - ☆☆☆☆☆

Iniciando num sereno ambiente eletrónico e com estalinhos hoje tão habituais nas produções de imensos artistas e que a cantora experimentou em algumas canções acima pela atualidade que conferem, vemo-la resignada a estar sozinha até que encontra alguém que a fará alterar as prioridades da sua vida.
Esta parte dura somente a primeira estrofe, dado que nesse preciso instante cai um estrondoso sub-bass que nos desperta numa sonoridade trap. Ao mesmo tempo, e recorrendo à imagética dos contos de fadas como faz em quase todos os álbuns, Taylor canta sobre o tal que a considera a rainha americana dele, proclamando que governam o reino dentro do quarto dela, ao mesmo tempo que mistura a sua recém-adquirida atitude ao juntar que ele se aproxima dela como uma batida urbana, exatamente a que se ouve enquanto ela canta isto: "Salute to me, I'm your American Queen, and you move to me like I'm a motown beat, and we rule the kingdom inside my room". O refrão dá-se como uma pausa tranquila na qual Taylor se entrega, exclamando que de uma só vez ele é tudo o que ela quer e que nunca o irá deixar, coroando-o de volta "King of my heart, body and soul".
Após tanta energia e amor emanados por uma música que não podia estar mais bem construída, pouco poderia surpreender a não ser um break improvável de beat cavalgante com vocais interrompidos, que torna a canção ainda mais moderna e consideravelmente diferente daquilo feito pela artista até aqui.
O resto da faixa reproduz esta sequência até marcar presença uma ponte de graves igualmente intensos onde há frases como "My broken bones are mending, with all these nights we're spending" e "Say you fancy me, not fancy stuff", selando esta relação curativa e acima do materialismo, dado que nenhum dos rapazes com grandes carros interessou Taylor como o atual, segundo ela no pré-refrão. O último refrão é cantado acapella com evidente auto-tune artístico com o qual os seus produtores trabalharam em diversas canções acima e parecem estar dedicados para que volte a ser tendência, visto que é tão coerente em várias destas músicas. Segue-se outro break e a música termina em êxtase sonoro para satisfação total do ouvinte.

11) "Dancing With Our Hands Tied" - ☆☆☆

Com uns toques de piano melancólicos nos primeiros segundos que sucumbem para entrar uma seca percussão, Taylor escolhe cantar sobre o relacionamento que ela quer proteger do escrutínio dos outros. Dado este enunciado, havia um alto potencial, não fosse a sensação de estarmos a ouvir uma produção sem qualquer auge depois da anterior que teve inúmeros pináculos e que foi uma das melhores, ou mesmo a melhor, até agora. 
O seu ponto forte será certamente o mistério em torno do significado do título, perdendo novamente na frase que se enrola ao longo do refrão intercalando com "like it was the first time" e "and I had a bad feeling" sem chegar a uma conclusão efetiva. Tendo em conta os lyrics genéricos para a cantora em questão ("You turned my bed into a sacred oasis" é muito medíocre para alguém experiente em escrever tudo o que canta como ela), uma hipótese de interpretação seria que ela e o par romântico são felizes juntos (representado pelo 'dancing'); porém a pressão pública e a sobre-exposição de ser uma celebridade são impedimentos grandes para a harmonia (representado pelo 'hands tied'), sentindo-se como se estivessem a dançar com as mãos amarradas.
Traços que resgatam a música da reprovação são quando o pseudo-drum'n'bass algo monótono se converte num midtempo irregular no refrão e integra um sintetizador dançante, motivando mais a atenção; quando chegam versos com verdadeiro conteúdo lírico ("Fears that the world would divide us, so baby can we dance through an avalanche? Say that we got it, I'm a mess but I'm the mess that you wanted" e "I'd kiss you as the lights went out, swaying as the room burned down, I'd hold you as the water rushes in"); quando na última repetição do refrão a artista mostra a habilidade da sua voz nos backing vocals. Classificação de suficiente para uma em que Taylor e os seus produtores não investiram muito mas cumpriram os requisitos mínimos.

12) "Dress" - ☆☆☆☆

Ultrapassando o título clichê de peça de roupa associada a tudo o que é feminino, o que é contraproducente para uma artista que está supostamente a libertar-se da etiqueta de bem comportada, escutamos o primeiro verso que sucede uma harmonia vocal muito etérea e nos suspira mais acordes harmonizantes que brotam num pré-refrão em que Taylor se demonstra impaciente pelo apaixonado. Se o conteúdo do refrão não é bombástico, tampouco é fraco ("Only bought this dress so you could take it off"), pois obtemos um cariz sexual sincero e há que aplaudir quando alguém que nunca falou de sexo explicitamente nas suas canções o tenta fazer. Para além disto, a intérprete faz confidências sobre verterem vinho na banheira e estarem ambos bêbados, declarando que todos acham que os conhecem mas que não sabem nada das suas experiências. Com a sua base de fãs menos em mente, é possível que acabe por alienar os mais novos, conquistando de certeza jovens e outras faixas etárias que se poderão relacionar com uma Taylor adulta e sem pudores, que abraça o sexo e o álcool. A segunda parte do refrão traz batidas amenas com brilhantes sintetizadores dream pop que, com este timbre propositadamente frágil, nos remetem para o álbum antecedente 1989 (2014) e que talvez fizesse mais sentido pertencer a esse, assemelhando-se ainda à sua parceria com Zayn Malik em "I Don't Wanna Live Forever". Taylor deseja, mais do que a atração carnal, alguém que até nos seus piores momentos veja a sua essência e parece ter encontrado isso: "Even in my worst light, you saw the truth in me".
Não seria justo afirmar que é mediana; apesar de ser contida, procura ser realmente sensual e os familiares estalinhos são bons elementos de ligação com a produção das restantes músicas, oferecendo uma paragem íntegral a 3/4 da faixa no verso "Say my name and everything just stops" e recuperando logo de seguida.
Tirada positivamente singular: "And if I get burned, at least we were eletrified."

13) "This Is Why We Can't Have Nice Things" - ☆☆☆☆☆

Distingue-se uma sirene de fundo e bate um ritmo hip-hop sobreposto a um jocoso "wooooo!", abrindo uma estrofe deliciosamente literária com referência a O Grande Gatsby, a história do milionário que dava festas luxuosas sem quaisquer limites para a imaginação: "It was so nice throwing big parties, jumping to the pool from the balcony, everyone swimming in a champagne sea. And there are no rules when you show up here, bass beat rattling the chandelier, feeling so Gatsby for that whole year".
Ocorre que o sujeito sobre quem se forma a crítica é seguramente Kanye West que, citando a intérprete, é a razão pela qual não podem haver coisas boas. Taylor desconstrói o episódio que foi o prazer dos media e alvo de intrigas sobre si, atirando indiretas para o rapper, que já a tinha prejudicado no passado distante e sido desculpado ("There I was giving you a second chance"), escolhendo manchar a fama dela num passado mais recente ("But then you stabbed me in my back while shaking my hand."), voltando a enganá-la e sendo impossível serem amigos ("Friends don't try to trick you, get you on the phone and mind-twist you and so I took an axe to a mended fence"). Se há uns anos em "Bad Blood" o ódio era em lamúrio passivo-agressivo, desta vez é em estado de aparente boa disposição que a artista canta festivamente sobre o assunto, acompanhada de enérgicos hi-hats e, a dividir estrofes, o mesmo urro divertido do início ou a sua voz quase anedótica "But I'm not the only friend you've lost lately, *hm-hm*. If only you weren't so *shaaady*!"
Abrandando o cinismo na ponte a 2/3 do final para brindar aos verdadeiros amigos que não querem saber do que dizem sobre ela, ao par romântico que não quer saber do que lhe chamam ultimamente e à sua mãe que teve que lidar com todo este drama, confirmando ainda ser bondosa, o que não passa de uma falsificação do perdão "Because forgiveness is a nice thing to do" que se elimina sem demoras, uma vez que a música pára como ela adora fazer e recebemos gargalhadas com a negação dessa ideia.
Sonoramente, a última porção da faixa é mais maximalista pela sobreposição de todo o som com frações do desenlace, levando o sarcasmo até ao fim. "Did you think I wouldn't hear all the things you said about me?"

14) "Call It What You Want" - ☆☆☆☆☆

Depois de uma curta intro na qual presenciamos uma composição sonhadora feita com um fragmento da voz da cantora em repetição, assemelhando-se a um coro divino que faz uma revelação, o verso que abre a letra é "My castle crumbled overnight, I brought a knife to a gunfight, they took the crown but it's alright", para daí sermos levados até leves ritmos e hi-hats.
Taylor aceita sem vergonha ter um complexo de realeza não reconhecida que intromete constantemente nas suas canções, dizendo que o castelo dela se desmoronou durante a noite, que trouxe uma faca para um tiroteio - expressando que não lhe deram hipótese de uma luta justa - e que lhe roubaram a coroa, mas que nada disto faz mal. A razão para esta tolerância da desgraça é só uma: o namorado, que ela descreve nesta faixa como um sonho que caminha para ela de cabeça baixa e também como um jato que passa por cima de todos os problemas, resgatando-a com o seu amor. É uma meditação sobre o poder transformador de uma relação tanto como uma chance de dar as últimas indiretas aos seus opositores, chamando-os de rainhas do drama (Katy?) e de quererem disfarçar-se de reis quando não passam de meros bobos da corte (Kanye e Kim?): "All the drama queens taking swings, all the jokers dressing up as kings" e, uma vez mais, todos eles se dissipam no nada quando ela olha para ele ("They fade to nothing when I look at him").
À partida parece uma música depressiva sobre isolamento e sobre mentirosos que acham que ela é isso mesmo ("All the liars are calling me one, nobody's heard from me for months"), onde nos ilustra as melhores e mais tristes alegorias sobre as suas flores se transformarem em espinhos ("All my flowers grew back as thorns") e as janelas ficarem estragadas a seguir à tempestade ("Windows boarded up after the storm"); no entanto, a intérprete sente-se melhor do que nunca ("I'm doing better than I ever was"). Isto porque o par romântico é tudo o que ela precisa e fez inclusive uma fogueira para a manter quente ("He built a fire just to keep me warm"), acrescentando que os olhos dele iluminam as noites mais escuras dela ("Starry eyes sparking up my darkest nights"), tudo simbolismos.
Diz que mesmo tudo dando errado e nunca aprendendo a lição, no final existe uma coisa que ela fez certo: ficar com ele ("Bridges burn, I never learn, at least I did one thing right (...) Trust him like a brother, yeah you know I did one thing right"). A ponte a 2/3 é sobre usar um colar com a inicial dele por ele a conhecer tão bem, algo que as outras pessoas nunca poderão dizer. O término é a continuidade da melodia, mais harmonias e bonitos ecos editados da sua voz, acabando numa nota vitoriosa de plenitude.
"You don't need to save me, but would you runaway with me? Yes."

15) "New Year's Day" - ☆☆☆☆☆

Começando com o piano como único ingrediente da produção sonora, o minimalismo deixa os dotes vocais da artista sobressaírem. Este epílogo é tão clássico que poderia estar em qualquer álbum de qualquer etapa da sua carreira e soaria igualmente belo. A simplicidade da única balada de Reputation à qual é mais tarde adicionada uma discreta viola não significa contensão de sentimentos: o teste é ouvir o primeiro refrão e tentar não ficar emocional quando a cantora pede que o apaixonado não leia a última página, comparando a vida a um livro, mas adianta que vai ficar com ele aconteça o que acontecer. “Don’t read the last page, but I stay, when it’s hard, or it’s wrong or we’re making mistakes. I want your midnights, but I’ll be cleaning up bottles with you on New Year’s Day.
A intenção destes versos é comunicar que o amor não é apenas desejar a meia-noite da Passagem de Ano quando os casais se beijam e tudo é fácil, é também estar ao lado um do outro no dia seguinte, Dia de Ano Novo, na limpeza das garrafas e nos momentos menos aprazíveis. Ainda que saiba bem permanecer com alguém na glória (“I’ll be there if you are the toast of the town, babe…”), o desafio é ficar igualmente nos maus momentos em que tudo pode dar errado e rastejamos para casa (“…or if you strike out and you’re crawling home”).
Taylor implora que ele nunca se torne um estranho cujo riso ela reconheceria em qualquer lado, na esperança de não estar a partilhar tanto e a amar alguém que vai embora como os outros, recolhendo a música em nostalgia.
Uma ótima despedida para a viagem de memórias que foi o álbum.
Hold on to the memories, they will hold on to you. And I will hold on to you.”

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Após a emotividade das canções que fecham Reputation, constata-se que, ao contrário daquilo que nos tentou convencer a todo o custo no lead single, na promoção do disco e nas primeiras faixas, a antiga Taylor nunca morreu. Apenas amadureceu, teve de se proteger das agressões externas e nisto viu uma oportunidade para ter a sua fase rebelde como muitas outras artistas fizeram em alguma época com o objetivo de se livrarem do rótulo de infantis ou recatadas [Christina Aguilera, Britney Spears, Miley Cyrus que é o exemplo mais marcante desta década no Bangerz (2013), etc.]. Se este trabalho vai acabar com o estereótipo criado à sua volta de típica white girl que se vitimiza e que ela tão bem parodiou no fim do vídeo de Look What You Made Me Do apenas o tempo dirá; todavia, ao experimentar uma estética dark e testar novos sons sem insegurança, a cantora mostra-se versátil e solidifica-se artisticamente por manter a excelente qualidade. Todo o tipo de ouvintes encontrará uma ou várias canções para apreciar, pois se a primeira metade do álbum é repleta de extraordinárias músicas que testam todo o tipo de géneros eletrónicos pela mão de produtores aclamados como Max Martin e Shellbacka segunda metade reserva um pop intimista e canções cândidas produzidas por Jack Antonoff que não desapontam. O seu único erro talvez seja exigir que o ouvinte conheça a sua 'reputação' a priori para entender completamente o conceito, um mal menor que não tem necessariamente de afetar a experiência. A temática predominante continua a ser o romance e a esmagadora maioria das suas letras continuam irrepreensíveis, o que nos faz concluir que Reputation não traz uma Taylor tão oposta à anterior assim. Quando é ousada no início, suaviza-se no fim para certificar que não se esqueceu dos seus fãs mais fiéis e agradar ao máximo de preferências possível. Entusiasma-nos com a sua evolução como uma diva sabe fazer, desta vez com uma sonoridade tão contemporânea quanto o seu talento para escrever lyrics inesquecíveis, para além da capacidade de se reinventar de acordo com as vivências pessoais. Mesmo que para isso tenha de chocar com a identidade a que nos habituou, o que por si só será sempre um passo admirável.

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Análise geral:
Letra - ☆☆☆☆☆
Sonoridade - ☆☆☆☆☆
Conceito - ☆☆☆☆

Avaliação final:
☆☆☆☆☆ 

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