Reputation (2017) - Taylor Swift
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"Queria falar com a Taylor." -
pede o mundo, tomando como garantida uma era da norte-americana a
cada dois anos, depois de três anos sem nenhum álbum novo.
"Lamento, a antiga Taylor não pode vir ao telefone
agora. Porquê? Porque ela está morta!" - avisa a jovem artista no
primeiro single antes do lançamento do álbum, vista até
aqui como uma dócil cantora que encantou desde adolescente no country,
um género musical de segmento de mercado tradicionalista, e que se muda
para o pop parcialmente com o álbum Red (2012)
e totalmente com 1989 (2014), sempre um exemplo normativo a
seguir tido pelos pais americanos para as filhas. O que fizeram à estrela
favorita das meninas conservadoras para ela nos presentear com toda esta narrativa
irreverente que intitula de 'Reputação' com capa black & white e
o seu nome impresso repetidamente como num jornal, apresentando-se de batom
escuro, gargantilha, camisola rasgada que ironicamente poderia ser de uma
coleção de Kanye West e cabelo penteado para trás, o completo inverso daquilo a
que nos acostumou ao longo da sua carreira?
Quem não se lembra dos atritos entre Taylor Swift e Kanye
West desde os VMAs de 2009 quando este interrompeu o discurso da cantora ao
ganhar o prémio, dizendo que este devia ser atribuído a Beyoncé e do escândalo
do ano passado onde o rapper já desculpado pela cantora lhe
reservou um verso misógino que esta alegadamente não aprovou e que Kim
Kardashian, socialite e mulher de Kanye, veio desmentir? Muita
gente poderá não estar a par, mas não será aqui que encontrarão muitos
detalhes, nem sequer vão ser aprofundados os problemas entre Taylor e outro
peso pesado da música comercial, Katy Perry, que trocam lucrativas 'bocas'
entre si desde que disputaram um dançarino de tour, algo que gerou
a rancorosa "Bad Blood" por parte da primeira há poucos anos e a
resposta vingativa da segunda em "Swish Swish" este ano com a
participação da rapper mais requisitada, Nicki Minaj. Para piorar, a
comunidade de fãs das celebridades rivais encheram o instagram de Taylor com
emojis de cobras, denunciando-a como má e venenosa, acusação de que ela se
soube apropriar e usar genialmente a seu favor na componente visual do
videoclipe para LWYMMD, repleta de mensagens subliminares para os
seus inimigos, para os media que ridicularizaram os seus variados
romances, para ex-namorados e para todos os que a criticaram ao longo dos anos,
com teorias explicadas por toda a Internet. O porquê desta introdução? Todos
estes fatores parecem justificar a sua aura obscura contemporânea, servindo de
mote para o disco prestes a ser explorado abaixo. Sem mais atrasos dado
que isto não é um blogue de mexericos mas de artigos de moda, música e cultura,
a análise:
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1) "...Ready For It?" - ☆☆☆☆☆
Abrindo o álbum com graves tão pulsantes que não
imaginaríamos ouvir numa canção sua, Taylor Swift limpa a garganta para nos
preparar para um 'cantar falado' nunca antes encontrado no seu passado
discográfico. A letra expõe o envolvimento com um rapaz que é muito melhor
que os restantes sem se esforçar apesar de ter deixado várias raparigas
assombradas e que é criminoso como ela, sendo um "killer"
(assassino) e ela uma "thief" (ladra), atraíndo-o para se
juntar à "heist" (quadrilha) a que ela pertence e fugirem para
uma "island" - estará esta ilha relacionada com a
sonoridade tropical do refrão, onde Taylor fala sobre sonhar
com as coisas que fazem juntos?
Tenha isto conotação sexual ou seja uma fantasia
acerca de crimes praticados pelos dois, pode parecer quase tão erótico como
quando segreda que "no one has to know", descartando
rapidamente os seus contornos de puritana, como era claramente pretendido pela
própria na proposta. "Every
lover known in comparison is a failure, I forget their names now, I'm so very
tame now, never be the same now.”
Vários críticos musicais consideram que estamos
diante de uma composição que conjuga caraterísticas de hip-hop,
de trap e até de industrial music, sem ser
puramente de nenhum destes géneros. Algo que, contudo, todo o ouvinte consegue
reconhecer é que o refrão melodioso contrasta com os beats agressivos
que o antecedem. Isto revela que os seus produtores estão tão alerta para o som
da atualidade como Taylor está disposta a brincar com todas estas
tendências, aproveitando ainda para experimentar antes do último refrão uma voz
digitalmente editada.
Mesmo que a tentativa
de quase-rap não soe a mais natural no seu timbre, a sua disposição
para fazer tanta revolução estilística de uma vez é
mesmo "like a vendetta", por isso há que concordar: "Baby,
let the games begin".
2) "End Game” (feat. Future and Ed Sheeran) - ☆☆☆☆ ☆
Esta é
a única música do disco com participação de outros artistas, uma aposta
ambiciosa para quem não costuma fazer featurings e por serem
ambos tão distintos, se bem que taticamente escolhidos: Future a representar o
seu apelo intencional a um público mais urbano e Ed Sheeran, amigo de longa
data da cantora, a mantê-la comercial dado que é dos mais bem sucedidos nas
rádios com as suas letras românticas. O facto de Future não estar isolado a 2/3
da música como se banalizou com rappers convidados, mas sim
quase no princípio, é revigorante e menos automatizado, trazendo posteriormente a
surpresa de Ed Sheeran. Embora este pareça menos à vontade a cantar sobre
rumores e fama do que a cantora principal e o rapper, entrega
ainda assim uma performance muito agradável.
Taylor
canta sobre querer ser a única pessoa do interesse do par romântico, fazendo
analogias como a de ser o jogo final dele ("end game"), a
ponta de lança ("first string") e a sobrevivente ("A-team"),
sendo esta uma clara referência à música de Ed Sheeran "The A Team",
um trocadilho engraçado estando ele presente na música, indicando assim que
todos fizeram o trabalho de casa para o produto ser coeso.
Obtemos
uma música em que Taylor retira ao pop para dar ao R&B com
percussão hip-hop, mantendo
o seu célebre batom vermelho ("So
here's the truth from my red lips"). Surge aqui pela primeira vez
o título do álbum, bem como um lembrete sobre os seus inimigos famosos "Big
reputation, you and me, we got big reputations, and you heard about me, I got
some big enemies". Taylor é autoindulgente e sabe o impacto que tem na
cultura, mostrando ter sentido de humor: "Reputation
precedes me, they told you I'm crazy. I swear I don't love the drama - it loves
me!"
3) "I Did Something Bad" - ☆☆☆☆☆
Aprofundando a abordagem aos escândalos que a
rodeiam e também aos romances falhados, Taylor dificilmente se apresentará mais
violenta do que isto: uma produção de sintetizadores rasgantes que mescla do trap aos mais variados géneros de EDM, pela primeira vez
a artista diz um palavrão numa canção ("If a man talks shit then I owe
him nothing, I don't regret it one bit 'cause he had it coming") e
consolida um refrão que é interrompido pelo barulho de tiros que antecedem
sempre a mesma palavra, o que segue a lógica da criminalidade de modo
impressionante e sem remorsos: "They say I did something bad, then
why's it feel so good? (...) And I'd do it over and over and over again if I
could, it just felt so *bang bang* good *bang bang* good".
Quando achamos que Taylor estar possuída por
Rihanna era da nossa imaginação e não passava de um momento "Man
Down" (2010) que ia terminar, eis que somos confrontados com algo que
poderia perfeitamente estar em "Bitch Better Have My Money" (2015), uma
metralhadora falada: "Ra-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta,
death trap, trap, trap". Nada como esta última voz distorcida para low
pitch para realçar a postura bad
girl, ainda que na sua totalidade esta faixa, tal como o álbum até
aqui, nos demonstre que estamos não só a assistir a uma experiência musical
díspar da sua discografia como também a um processo catártico dos traumas da
intérprete por entre os sintetizadores insurgentes.
Taylor fala ainda sobre ser perseguida como se
fosse uma bruxa e sobre quererem queimá-la na fogueira, desafiando em metáfora
os que vêm atrás dela com forquilhas, provas e razões para lhe atearem fogo.
Provoca sem receio "So light me up, light me up, light me up, go ahead
and light me up!", trazendo de novo o crescendo de palmas que dá um
toque urbano ao conjunto. Finalizada a música e com um resultado esplêndido,
pode considerar-se talvez a que mais justiça faz ao que a capa e o conceito
transmitem.
4) "Don't Blame Me" - ☆☆☆☆
Taylor começa a cantar por cima do seu próprio
murmúrio melódico que se o amor não nos tornar loucos então não estamos a fazer
da maneira certa ("Don't blame me, your love made me crazy, if it
doesn't you ain't doing it right. Lord save me, my drug is my baby, I'll be
using for the rest of my life"), afirmando que o seu par é a droga que
vai consumir para o resto da vida. Assim que o anuncia, entra um som
reverberante que é depois acompanhado por um ritmo regular durante esta estrofe
e o pré-refrão, até que um bass em wobbles surge
intensamente unido a pandeiretas no refrão.
A música eletrónica é aqui quase
fúnebre e a relação feita entre amor e substâncias ilícitas são outro bom
mergulho em áreas não exploradas antes pela cantora, o que seria original para
o seu repertório, não fossem as suas semelhanças formais com "Take Me To
Church" de Hozier (2014), cujo molde de soliticação religiosa e a própria
entoação gospel encaixam quase perfeitamente em ambas as
canções. A distingui-las temos os lyrics e o facto de a música
original ser mais rock e esta future bass ao
ponto de lembrar outra produção, "Never Be Like You" de Flume (2016).
Isto não tira qualidade ao trabalho de Taylor e seria ingénuo da parte dela
acreditar que ninguém as iria relacionar, pelo que qualquer intenção de plágio
é de duvidar. No máximo, pode ter sido uma influência inconsciente ou inspiração
algures no processo criativo, algo comum dado terem sido populares nos seus
respetivos anos de lançamento, provavelmente quando Taylor preparava este
álbum. Há vulnerabilidade por exemplo em "I once was poison ivy,
but now I'm your daisy" e "If you walk away, I'd beg you on my
knees to stay". O conteúdo passional não tem a ver com a solenidade da
música, o que pode ser visto como positivo.
5) "Delicate” - ☆☆☆☆☆
Taylor
prevê "This ain't for the best, my reputation's never been worst, so
you must like me for me" sob efeito de auto-tune/vocoder que,
em vez da artificialidade de qualquer edição vocal, lhe concede
fragilidade. Estamos perante uma música tranquila comparativamente às
anteriores, basta esperar a entrada dos versos de voz límpida e da
vibração dancehall que criam um contexto de leveza e nos
deixam levar pela história de uma nova paixão, onde a cantora se expressa
insegura com perguntas como "Is it cool that I said all that? Is it
chill that you're in my head? 'Cause I know that it's delicate", ao
que uma voz aguda (high pitch) lhe responde isso mesmo: "delicate".
Muito comercial, esta canção pode ser posta de duas perspetivas dependendo
se quem ouve compreende a cantora ou não: ou entendemos uma Taylor com receio
em expor-se a um amor acabado de descobrir, o que pode levar toda a gente a
identificar-se com a situação; ou vemos uma artista que está com medo que a sua
péssima reputação afete o romance, algo com que a maior parte dos cidadãos
anónimos não tem de lidar e poderá ter menos empatia. Seja qual for a
abordagem, o título do álbum é referido em todos os refrões desta música e
acabamos com uma sensação de honestidade vinda de Taylor, que assume os
pensamentos que qualquer pessoa teria no período de conquista ("Do the
girls back home touch you like I do?", "Sometimes I wonder when
you sleep, are you ever dreaming of me?")
O som varia minimamente e segue fluído como tropical house, só
alternado por estalinhos de dedos que marcam presença uma vez a meio da
música e outra para a fechar, um item orgânico que nos garante mais ainda
estarmos a ouvir uma produção contemporânea.
6) "Look What You Made Me Do”- ☆☆☆☆
"Look What You Made Me Do" provoca
reações bastante contrárias, sendo uma música que pode cativar pouco da
primeira vez que é ouvida e à qual nos adaptamos facilmente devido a um refrão
que não é mais do que a repetição incessante do título, uma compra dos direitos
de "I'm Too Sexy" dos Right Said Fred (1992) juntamente com a
profunda batida electroclash e o tom hostil de "Operate"
de Peaches (2003). Uma decisão tanto radical para single como
inteligente por transmitir concretamente a direção onde a artista pretendia ir.
Por sua vez, o complexo e extravagante vídeo, já foi analisado por toda a
Internet [exemplo aqui],
por isso não há motivo para desenvolver nesse sentido dado que isto é uma
revisão musical, não de videografia.
A intenção de afronta aos inimigos é a maior
finalidade - que sabemos serem obviamente Kanye West e Katy Perry - começando
com acordes de piano misteriosos que relembram um início de filme policial do
século passado e que lhe conferem interessantes pormenores artísticos,
justificando o tom apático com que Taylor declara "olha o que me obrigaste
a fazer", como diria um(a) vilã(o) que acaba com a vítima sem qualquer
misericórdia. O sintetizador impertinente que aparece tardiamente em segundo
plano evidencia mais este aspeto thriller e empolga quase
tanto como as descrições visuais feitas por Taylor sobre palcos inclinados,
crimes perfeitos, mentiras a rir e armas que lhe pertenciam, tal como sobre
terem-lhe pedido abrigo e a terem trancado no exterior.
"The world moves on, another day,
another drama, but not for me, all I think about is karma. And then the world
moves on but one thing's for sure, maybe I got mine but you'll all get yours."
Ela pode ter levado o karma dela mas todos os que lhe fizeram mal vão pagar o
deles. Ameaças em músicas pop, porque não?
Superior a todo o propósito de vingança e até à
altura na música em que anuncia a sua mudança com uma interação discursiva, uma
tática falada que Taylor já tornou da praxe em músicas antigas ("We Are
Never Ever Getting Back Together" (2012), "Shake It Off" (2014),
etc.), fica o verso "Honey, I rose up from the dead, I do it all the
time" pelo sentido figurado de renascimento, bem como pela acentuação
da teatralidade.
7) "So It Goes..." - ☆☆☆☆
O
domínio volta a ser o do romance, neste caso sob a inspiração do tema
ilusionismo. Os vocais de Taylor aparecem a ecoar e transmitem-nos uma sensação
atmosférica já sentida pela envolvência abstrata, a princípio
sóbrio e que é prontamente trocado no refrão por síncopes de hi-hats ao qual alguns críticos musicais chamaram um
indefinido light trap, aqui descaraterizado
pelos suprimidos riffs de guitarra que o orientam. O facto
de a voz se fundir voluntariamente com o instrumental em quase toda a
música é alusivo a Lana Del Rey, conhecida por cantar subtilmente com
sonoridades urbanas mais ou menos ténues que se dissolvem com o seu timbre hipnótico.
No seu
global, é uma produção com qualidade mas que pouco de relevante acrescenta ao
álbum, apelando sobretudo a quem gosta de vocais homogéneos. Taylor entrega
recursos estilísticos sobre magia como "You make everyone
disappear and cut me into pieces, gold cage, hostage to my feelings"
sobre truques de ilusionistas com gaiolas, fazer desaparecer pessoas, cortar a
assistente em pedaços e esta sair inteira, sem esquecer de incluir um
momento sexy em "scratches down your back now".
Por outro lado, há tiradas que deixam um pouquinho a desejar para uma das
maiores liricistas da década: "my magician" soa um nome
carinhoso muito embaraçoso e o facto de alguém se vestir de preto não o torna
instantaneamente um exemplo de rebeldia ("Come here, dressed in black
now"). A compensar temos o momento caricato em que lembra terem feito
truques um ao outro, perguntando quem os está a contabilizar, supondo que
ninguém. E aí sussurra "one, two, three", ao que o
instrumental retoma triunfante.
"I'm
not a bad girl but I do bad things with you". Esperemos que a cantora
não perca o estatuto de menina má se ainda não o conseguiu sequer assegurar
oficialmente. De qualquer forma, ainda que menos icónica que outras, depois de
várias reproduções torna-se uma experiência rítmica bastante dinâmica.
"And
all our pieces fall right into place, get caught up in the moment, lipstick on
your face."
8) "Gorgeous” - ☆☆☆☆☆
Uma faixa que é a definição mais precisa
de canção comercial: letra sobre apaixonar-se obsessivamente por alguém
desconhecido, extremamente pop ao ficar no ouvido mais do que
qualquer outra, chegando até a tocar a imaturidade por se digerir tão bem e por
se equiparar a algo que a sua adversária Katy faria, não por ter a bebé (filha
de Blake Lively e Ryan Reynolds) a balbuciar o título, um detalhe adorável para
abrir a música.
A verdade é que isto não choca com a imagem de
Taylor; aliás, solidifica-a mais ainda nas rádios por ser tão fácil de escutar
e a única contraindicação que uma música tão perfeitamente catchy pode
ter é atingir a saturação ao fim de algumas repetições. É, contudo,
irrepreensível a maneira como é simultaneamente intemporal e tão desta década
em particularidades como os ecos graves da palavra "gorgeous".
Acerca de quem será a letra, Taylor afirmou ser
sobre o seu atual namorado Joe Alwyn, levando a inevitáveis
projeções de ela flirtar com ele enquanto
ainda estava com o anterior Tom Hiddleston, o tal "boyfriend (...) older
than us" que ela refere. A cantora demonstra-se capaz de gozar consigo
mesma quando diz que caso ele não queira envolver-se ela vai sozinha para casa
ter com os seus gatos ("Guess I'll just stumble on home to my cats
~urgh~ *laugh*"), o seu mecanismo de defesa favorito para lidar com as
ridicularizações que fazem sobre si e os seus gostos, neste caso felinos serem os seus animais de estimação prediletos. Completa ainda "unless you wanna come along",
à espera que ele se renda, a seguir a admitir que não há nada que ela odeie
mais do que aquilo que não pode ter.
O mais memorável desta música é sem dúvida o
otimismo que se distancia da primeira metade do álbum, o barulhinho que imita
um persuasivo piscar de olho ("Unless you wanna come along *wink*")
e as peculiares técnicas de sedução da intérprete: "You should
take it as a compliment that I got drunk and made fun of the way you talk",
"You should take it as a compliment that I'm talking to everyone here
but you".
9) "Getaway Car" - ☆☆☆☆☆
É-nos introduzida uma fala
robotizada que nos faz questionar se não será uma participação oculta dos Daft
Punk pela sua distorção extrema; é na verdade uma abertura melodramática que
prevê a tragédia de teor romântico ("Nothing good starts in a getaway
car"), sendo imediatamente substituída pela tonalidade real de Taylor
que conta uma história sobre deixar o namorado e escapar com o novo apaixonado
num carro de fuga.
A melodia é
brilhantemente synthpop e a cantora está como um peixe na água
neste género oitentista como só ela (no álbum 1989), Carly Rae
Jepsen e poucas mais escolhem fazer agora, criando linhas densas e
metafóricas em toda a canção ("The ties were black, the lies
were white", "He
poisoned the well, every man for himself", "It hit
you like a shotgun shot to the heart", "But
with the three of us, honey, it's a sideshow. And a circus ain't a love story
and now we're both sorry") que é maioritariamente acerca de pretender
acabar o triângulo amoroso, apesar de o homem traído os tentar perseguir. O som
coeso e os versos tão bem redigidos tornam-na um dos destaques do disco.
Escapam com êxito até se
suceder uma gigante reviravolta. Convencida de que todos os seus
relacionamentos estão destinados ao fracasso, ela abandona o
próprio amante num bar de motel, guarda o dinheiro e rouba as chaves,
fugindo sozinha. Confessa aí que foi desleal a este último e que traidores
nunca podem vencer, incluindo-os aos dois nesta afirmação ("We were
jet-set, Bonnie and Clyde, until I switched to the other side. It's no surprise
I turned you in, 'cause us traitors never win").
Por fim, o seu destino é
pintado de um ponto de vista pessimista, revivendo o caso do carro de fuga com
uma epístrofe que promete ficar na memória: "I was
riding in a getaway car, I was crying in a getaway car, I was dying in a
getaway car, said goodbye in a getaway car."
10) "King Of My Heart" - ☆☆☆☆☆
Iniciando num sereno ambiente eletrónico e com estalinhos hoje tão habituais nas produções de imensos artistas e que a
cantora experimentou em algumas canções acima pela atualidade que conferem,
vemo-la resignada a estar sozinha até que encontra alguém que a fará alterar as
prioridades da sua vida.
Esta parte dura somente a primeira estrofe, dado
que nesse preciso instante cai um estrondoso sub-bass que
nos desperta numa sonoridade trap. Ao mesmo tempo,
e recorrendo à imagética dos contos de fadas como faz em quase todos os
álbuns, Taylor canta sobre o tal que a considera a rainha americana dele,
proclamando que governam o reino dentro do quarto dela, ao mesmo tempo que
mistura a sua recém-adquirida atitude ao juntar que ele se aproxima dela como
uma batida urbana, exatamente a que se ouve enquanto ela canta isto: "Salute
to me, I'm your American Queen, and you move to me like I'm a motown beat, and
we rule the kingdom inside my room". O refrão dá-se como uma pausa
tranquila na qual Taylor se entrega, exclamando que de uma só vez ele é tudo o
que ela quer e que nunca o irá deixar, coroando-o de volta "King of my
heart, body and soul".
Após tanta energia e amor emanados por uma música que não
podia estar mais bem construída, pouco poderia surpreender a não ser um break improvável
de beat cavalgante com vocais interrompidos, que torna a
canção ainda mais moderna e consideravelmente diferente daquilo feito pela
artista até aqui.
O resto da faixa reproduz esta sequência até marcar presença
uma ponte de graves igualmente intensos onde há frases como "My broken
bones are mending, with all these nights we're spending" e "Say
you fancy me, not fancy stuff", selando esta relação curativa e acima
do materialismo, dado que nenhum dos rapazes com grandes carros interessou
Taylor como o atual, segundo ela no pré-refrão. O último refrão é cantado acapella com
evidente auto-tune artístico com o qual os seus
produtores trabalharam em diversas canções acima e parecem estar dedicados para
que volte a ser tendência, visto que é tão coerente em várias destas músicas.
Segue-se outro break e a música termina em êxtase sonoro para
satisfação total do ouvinte.
11) "Dancing With Our Hands Tied" - ☆☆☆
Com uns toques de piano melancólicos nos primeiros
segundos que sucumbem para entrar uma seca percussão, Taylor escolhe cantar
sobre o relacionamento que ela quer proteger do escrutínio dos outros. Dado
este enunciado, havia um alto potencial, não fosse a sensação de estarmos a
ouvir uma produção sem qualquer auge depois da anterior que teve inúmeros
pináculos e que foi uma das melhores, ou mesmo a melhor, até agora.
O seu ponto forte será certamente o mistério em torno do
significado do título, perdendo novamente na frase que se enrola ao longo do
refrão intercalando com "like it was the first time" e "and
I had a bad feeling" sem chegar a uma conclusão efetiva. Tendo em
conta os lyrics genéricos para a cantora em questão ("You
turned my bed into a sacred oasis" é muito medíocre para alguém experiente
em escrever tudo o que canta como ela),
uma hipótese de interpretação seria que ela e o par romântico são
felizes juntos (representado pelo 'dancing'); porém a pressão pública e
a sobre-exposição de ser uma celebridade são impedimentos grandes para a
harmonia (representado pelo 'hands tied'), sentindo-se como se
estivessem a dançar com as mãos amarradas.
Traços
que resgatam a música da reprovação são quando o pseudo-drum'n'bass algo
monótono se converte num midtempo irregular no refrão e
integra um sintetizador dançante, motivando mais a atenção; quando chegam
versos com verdadeiro conteúdo lírico ("Fears that the world would
divide us, so baby can we dance through an avalanche? Say that we got
it, I'm a mess but I'm the mess that you wanted" e "I'd
kiss you as the lights went out, swaying as the room burned down, I'd hold you
as the water rushes in"); quando na última repetição do refrão a
artista mostra a habilidade da sua voz nos backing
vocals. Classificação de suficiente para uma em que Taylor e os
seus produtores não investiram muito mas cumpriram os requisitos mínimos.
12) "Dress" - ☆☆☆☆
Ultrapassando
o título clichê de peça de roupa associada a tudo o que é feminino, o que é
contraproducente para uma artista que está supostamente a libertar-se da
etiqueta de bem comportada, escutamos o primeiro verso que sucede uma harmonia
vocal muito etérea e nos suspira mais acordes harmonizantes
que brotam num pré-refrão em que Taylor se demonstra impaciente pelo
apaixonado. Se o conteúdo do refrão não é bombástico, tampouco é fraco
("Only bought this dress so you could take it off"), pois obtemos um
cariz sexual sincero e há que aplaudir quando alguém que nunca falou de sexo
explicitamente nas suas canções o tenta fazer. Para além disto, a intérprete
faz confidências sobre verterem vinho na banheira e estarem ambos bêbados,
declarando que todos acham que os conhecem mas que não sabem nada das suas experiências.
Com a sua base de fãs menos em mente, é possível que acabe por alienar os mais
novos, conquistando de certeza jovens e outras faixas etárias que se poderão
relacionar com uma Taylor adulta e sem pudores, que abraça o sexo e o álcool. A
segunda parte do refrão traz batidas amenas com brilhantes sintetizadores dream
pop que, com este timbre propositadamente frágil, nos
remetem para o álbum antecedente 1989 (2014) e que talvez
fizesse mais sentido pertencer a esse, assemelhando-se ainda à sua parceria com Zayn Malik em "I Don't Wanna Live Forever". Taylor deseja, mais do que a atração
carnal, alguém que até nos seus piores momentos veja a sua essência e parece
ter encontrado isso: "Even in my worst light, you saw the truth in me".
Não
seria justo afirmar que é mediana; apesar de ser contida, procura ser realmente
sensual e os familiares estalinhos são bons elementos de ligação com a produção
das restantes músicas, oferecendo uma paragem íntegral a 3/4 da faixa no verso "Say
my name and everything just stops" e recuperando logo de seguida.
Tirada
positivamente singular: "And if I get burned, at least we were
eletrified."
13) "This Is Why We Can't Have Nice Things" - ☆☆☆☆☆
Distingue-se uma sirene de fundo e bate um
ritmo hip-hop sobreposto a um jocoso "wooooo!",
abrindo uma estrofe deliciosamente literária com referência a O Grande Gatsby,
a história do milionário que dava festas luxuosas sem quaisquer limites para a
imaginação: "It was so nice throwing big parties, jumping to the pool
from the balcony, everyone swimming in a champagne sea. And there are no rules
when you show up here, bass beat rattling the chandelier, feeling so Gatsby for
that whole year".
Ocorre que o sujeito sobre quem se forma a
crítica é seguramente Kanye West que, citando a intérprete, é a razão pela qual
não podem haver coisas boas. Taylor desconstrói o episódio que foi o
prazer dos media e alvo de intrigas sobre si, atirando indiretas para o rapper, que já a tinha prejudicado no passado
distante e sido desculpado ("There I was giving you a second chance"),
escolhendo manchar a fama dela num passado mais recente ("But then
you stabbed me in my back while shaking my hand."), voltando a enganá-la e
sendo impossível serem amigos ("Friends don't try to trick you, get you
on the phone and mind-twist you and so I took an axe to a mended fence"). Se
há uns anos em "Bad Blood" o ódio era em lamúrio
passivo-agressivo, desta vez é em estado de aparente boa disposição que a artista canta
festivamente sobre o assunto, acompanhada de enérgicos hi-hats e,
a dividir estrofes, o mesmo urro divertido do início ou a sua voz quase
anedótica "But I'm not the only friend you've lost lately, *hm-hm*. If only you weren't so *shaaady*!"
Abrandando o cinismo na ponte a 2/3 do final
para brindar aos verdadeiros amigos que não querem saber do que dizem sobre
ela, ao par romântico que não quer saber do que lhe chamam ultimamente e à sua
mãe que teve que lidar com todo este drama, confirmando ainda ser bondosa, o
que não passa de uma falsificação do perdão "Because forgiveness is a
nice thing to do" que se elimina sem demoras, uma vez que a música
pára como ela adora fazer e recebemos gargalhadas com a negação dessa ideia.
Sonoramente, a última porção da faixa é mais maximalista pela sobreposição de todo o som com frações do desenlace,
levando o sarcasmo até ao fim. "Did you think I wouldn't hear all
the things you said about me?"
14) "Call It What You Want" - ☆☆☆☆☆
Depois de uma curta intro na qual
presenciamos uma composição sonhadora feita com um fragmento da voz da cantora
em repetição, assemelhando-se a um coro divino que faz uma revelação, o verso que abre a letra é "My castle crumbled
overnight, I brought a knife to a gunfight, they took the crown but it's
alright", para daí sermos levados até leves ritmos e hi-hats.
Taylor aceita sem vergonha ter um complexo de realeza não reconhecida que intromete constantemente nas suas canções, dizendo que o castelo dela se desmoronou durante a noite, que trouxe uma faca para um tiroteio - expressando que não lhe deram hipótese de uma luta justa - e que lhe roubaram a coroa, mas que nada disto faz mal. A razão para esta tolerância da desgraça é só uma: o namorado, que ela descreve nesta faixa como um sonho que caminha para ela de cabeça baixa e também como um jato que passa por cima de todos os problemas, resgatando-a com o seu amor. É uma meditação sobre o poder transformador de uma relação tanto como uma chance de dar as últimas indiretas aos seus opositores, chamando-os de rainhas do drama (Katy?) e de quererem disfarçar-se de reis quando não passam de meros bobos da corte (Kanye e Kim?): "All the drama queens taking swings, all the jokers dressing up as kings" e, uma vez mais, todos eles se dissipam no nada quando ela olha para ele ("They fade to nothing when I look at him").
Taylor aceita sem vergonha ter um complexo de realeza não reconhecida que intromete constantemente nas suas canções, dizendo que o castelo dela se desmoronou durante a noite, que trouxe uma faca para um tiroteio - expressando que não lhe deram hipótese de uma luta justa - e que lhe roubaram a coroa, mas que nada disto faz mal. A razão para esta tolerância da desgraça é só uma: o namorado, que ela descreve nesta faixa como um sonho que caminha para ela de cabeça baixa e também como um jato que passa por cima de todos os problemas, resgatando-a com o seu amor. É uma meditação sobre o poder transformador de uma relação tanto como uma chance de dar as últimas indiretas aos seus opositores, chamando-os de rainhas do drama (Katy?) e de quererem disfarçar-se de reis quando não passam de meros bobos da corte (Kanye e Kim?): "All the drama queens taking swings, all the jokers dressing up as kings" e, uma vez mais, todos eles se dissipam no nada quando ela olha para ele ("They fade to nothing when I look at him").
À partida parece uma música depressiva sobre isolamento e
sobre mentirosos que acham que ela é isso mesmo ("All the liars are
calling me one, nobody's heard from me for months"), onde nos ilustra
as melhores e mais tristes alegorias sobre as suas flores se transformarem em
espinhos ("All my flowers grew back as thorns") e as janelas
ficarem estragadas a seguir à tempestade ("Windows boarded up after the
storm"); no entanto, a intérprete sente-se melhor do que nunca ("I'm
doing better than I ever was"). Isto porque o par romântico é tudo o
que ela precisa e fez inclusive uma fogueira para a manter quente ("He
built a fire just to keep me warm"), acrescentando que os olhos dele
iluminam as noites mais escuras dela ("Starry eyes sparking up my
darkest nights"), tudo simbolismos.
Diz que mesmo tudo dando errado e nunca aprendendo a lição,
no final existe uma coisa que ela fez certo: ficar com ele ("Bridges burn, I
never learn, at least I did one thing right (...) Trust him like a brother,
yeah you know I did one thing right"). A ponte a 2/3 é sobre usar um
colar com a inicial dele por ele a conhecer tão bem, algo que as outras pessoas
nunca poderão dizer. O término é a continuidade da melodia, mais harmonias e
bonitos ecos editados da sua voz, acabando numa nota vitoriosa de plenitude.
"You don't need to save me, but would you runaway
with me? Yes."
15) "New Year's Day" - ☆☆☆☆☆
Começando
com o piano como único ingrediente da produção sonora, o minimalismo deixa os
dotes vocais da artista sobressaírem. Este epílogo é tão clássico que poderia
estar em qualquer álbum de qualquer etapa da sua carreira e soaria igualmente
belo. A simplicidade da única balada de Reputation à qual é mais tarde adicionada uma discreta viola não significa contensão de sentimentos: o teste é
ouvir o primeiro refrão e tentar não ficar emocional quando a cantora pede que
o apaixonado não leia a última página, comparando a vida a um livro, mas
adianta que vai ficar com ele aconteça o que acontecer. “Don’t read the last
page, but I stay, when it’s hard, or it’s wrong or we’re making mistakes. I
want your midnights, but I’ll be cleaning up bottles with you on New Year’s
Day.”
A
intenção destes versos é comunicar que o amor não é apenas desejar a meia-noite
da Passagem de Ano quando os casais se beijam e tudo é fácil, é também estar ao
lado um do outro no dia seguinte, Dia de Ano Novo, na limpeza das
garrafas e nos momentos menos aprazíveis. Ainda que saiba bem permanecer com alguém na
glória (“I’ll be there if you are the toast of the town, babe…”), o
desafio é ficar igualmente nos maus momentos em que tudo pode dar errado e
rastejamos para casa (“…or if you strike out and you’re crawling home”).
Taylor
implora que ele nunca se torne um estranho cujo riso ela reconheceria em
qualquer lado, na esperança de não estar a partilhar tanto e a amar alguém que
vai embora como os outros, recolhendo a música em nostalgia.
Uma
ótima despedida para a viagem de memórias que foi o álbum.
“Hold on to the
memories, they will hold on to you. And I will hold on to you.”
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Após a emotividade das canções que fecham Reputation,
constata-se que, ao contrário daquilo que nos tentou convencer a todo o custo
no lead single, na promoção do disco e nas primeiras faixas, a
antiga Taylor nunca morreu. Apenas amadureceu, teve de se proteger das
agressões externas e nisto viu uma oportunidade para ter a sua fase rebelde como
muitas outras artistas fizeram em alguma época com o objetivo de se livrarem do
rótulo de infantis ou recatadas [Christina Aguilera, Britney Spears, Miley
Cyrus que é o exemplo mais marcante desta década no Bangerz (2013),
etc.]. Se este trabalho vai acabar com o estereótipo criado à
sua volta de típica white girl que se vitimiza e que ela
tão bem parodiou no fim do vídeo de Look What You Made Me Do apenas
o tempo dirá; todavia, ao experimentar uma estética dark e
testar novos sons sem insegurança, a cantora mostra-se versátil e solidifica-se
artisticamente por manter a excelente qualidade. Todo o tipo de ouvintes
encontrará uma ou várias canções para apreciar, pois se a primeira metade do
álbum é repleta de extraordinárias músicas que testam todo o tipo de géneros
eletrónicos pela mão de produtores aclamados como Max Martin e Shellback, a
segunda metade reserva um pop intimista e canções cândidas
produzidas por Jack Antonoff que não desapontam. O seu único erro talvez seja
exigir que o ouvinte conheça a sua 'reputação' a priori para
entender completamente o conceito, um mal menor que não tem necessariamente de
afetar a experiência. A temática predominante continua a ser o romance e a
esmagadora maioria das suas letras continuam irrepreensíveis, o que nos
faz concluir que Reputation não traz uma Taylor tão
oposta à anterior assim. Quando é ousada no início, suaviza-se no fim para certificar que não se esqueceu dos seus fãs mais fiéis e agradar ao máximo de preferências possível. Entusiasma-nos com a sua evolução como uma diva
sabe fazer, desta vez com uma sonoridade tão contemporânea quanto o seu talento
para escrever lyrics inesquecíveis,
para além da capacidade de se reinventar de acordo com as vivências pessoais. Mesmo que para isso tenha de chocar com a identidade a que nos
habituou, o que por si só será sempre um passo admirável.
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Análise geral:
Letra - ☆☆☆☆☆
Sonoridade - ☆☆☆☆☆
Conceito - ☆☆☆☆
Avaliação final:
☆☆☆☆☆
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